Estar no polo ativo de uma ação para recuperação de crédito torna-se um desafio ainda maior quando a empresa inadimplente encerra suas atividades sem arcar com suas dívidas, deixando seus credores em situação difícil quanto ao recebimento de seu crédito.

Atualmente, é notável o aumento de casos em que empresas que figuram no polo passivo de execuções cíveis “fecham as portas” sem prestar contas, restando em condição de inaptidão ou sendo declaradas baixadas pela Receita Federal.

Na legislação vigente, empresa inapta é aquela que deixou de apresentar à Receita Federal declarações contábeis e demonstrativos de movimentações financeiras por mais de noventa dias consecutivos (art. 81, inciso I, da Lei n. 9.430/96, alterada pela Lei n. 14.195/21). A empresa será cadastrada como “baixada” quando for extinta por solicitação do sócio administrador ou quando seu cadastro não é regularizado após cento e oitenta dias de exercício (art. 81-A da Lei n. 9.430/96, alterada pela Lei 14.195/2021).

A dissolução irregular é definida por Marcelo Tadeu Cometti[1] como um ilícito praticado em razão do abuso do direito pela descontinuidade da empresa explorada sem a devida liquidação e extinção da sociedade empresária, nos moldes previstos no Código Civil ou na Lei 11.101/05.

O encerramento irregular da sociedade é uma artimanha utilizada por sócios que, cientes da situação de inadimplência na qual sua empresa se encontra, “fecham as portas” sem, contudo, efetuar a devida liquidação da sociedade perante a Receita Federal e Junta Comercial.

Para impedir que o encerramento irregular da sociedade se torne um obstáculo para a satisfação das dívidas contraídas pela pessoa jurídica, entende a jurisprudência catarinense ser possível o redirecionamento da cobrança judicial para os sócios, dispensando inclusive a instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica[2].

A situação de inaptidão perante a Receita Federal vem sendo comparada pelos Tribunais à morte da pessoa natural, sendo possível então que os sócios sucedam a pessoa jurídica no polo passivo, por interpretação analógica do art. 110 do Código de Processo Civil e por força da responsabilidade dos sócios contida no art. 1.080 do Código Civil.

O art. 110 do Código Processual Civil determina que em caso de falecimento de alguma das partes, a sucessão se dará por meio de seus herdeiros ou de seus sucessores. Desta forma, pode-se entender que o instituto da sucessão processual da pessoa jurídica ocorre na pessoa dos sócios, para que estes respondam pelos passivos da sociedade.

Nos termos do comentado precedente, embora a morte seja um fenômeno natural exclusivo da pessoa humana, mencionado dispositivo legal deve ser aplicado por analogia à pessoa jurídica, sendo também hipótese de sucessão processual obrigatória quando a sociedade se extinguir durante o trâmite processual.

Para Fábio Ulhoa Coelho[3], se os sócios não observam as regras estabelecidas para o regular encerramento da pessoa jurídica, ou seja, simplesmente encerram as atividades econômicas, repartem os ativos e se dispersam, respondem pessoal e ilimitadamente pelas obrigações da sociedade.

Em caso análogo, A 17ª Câmara de Direito Público do Estado de São Paulo[4] admitiu a inclusão dos sócios de uma empresa encerrada irregularmente no polo passivo da demanda que tramitava em primeiro grau.  Segundo o Relator, extinta a empresa, ainda que de forma irregular, “não há que se falar em desconsideração da personalidade jurídica, isso porque a extinção da personalidade jurídica equivale a morte da pessoa natural, revelando-se perfeitamente aplicável o instituto da sucessão processual”.

Convém ressaltar que não se trata de desconsideração da personalidade jurídica, já que, para tanto, os requisitos do art. 50 do Código Civil devem ser preenchidos (abuso da personalidade jurídica pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial), mas de mera extinção da figura da empresa e sucessão lógica por seu responsável.

Nesses termos, verifica-se que a extinção irregular da sociedade devedora confere à credora o direito de incluir seus sócios no polo passivo da execução, para que estes respondam pelas obrigações assumidas pela empresa.

A presente análise permite concluir que a sucessão processual na pessoa dos sócios de empresas encerradas irregularmente se revela uma modalidade muito mais prática e célere para que pessoas jurídicas e físicas possam reaver seus créditos em ações judiciais, vez que dispensa a instauração de um incidente processual e pode ser conduzida pelo juiz no curso do próprio processo.

Lara Panozzo Weigsding é advogada

Referências

[1] COMETTI, Marcelo Tadeu. O problema da dissolução irregular de sociedades no Brasil. Jornal Carta Forense. 02/05/2017. Disponível em: www.cartaforense.com.br/conteudo/artigos/o-problema-da-dissolucao-irregular-de-sociedades-no-brasil/17539.

[2] TJSC, Agravo de Instrumento n. 5046764-81.2021.8.24.0000, rel. Marcio Rocha Cardoso, julgado em 06/12/2022.

[3]  COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial.  2ª edição. Volume 2. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017.

[4]  Disponível em https://www.conjur.com.br/dl/sucessao-processual-empresa-encerrada.pdf. Acesso em 24/02/2023.