Apontamentos a respeito do momento do interrogatório nos processos administrativos disciplinares, por Justiniano Pedroso
21 de março de 2022

Advogado Justiniano Pedroso
Os procedimentos processuais referentes aos Processos Administrativos Disciplinares, no âmbito das administrações direta e indireta do Estado de Santa Catarina, são definidos pelo disposto na Lei Complementar Estadual nº 491, de 20 de janeiro de 2010, a qual criou o Estatuto Jurídico Disciplinar.
O caput do art. 46 estabelece que, na instrução do processo administrativo, proceder-se-á à inquirição das testemunhas arroladas pela comissão processante, interrogando-se, em seguida o acusado, e, após, à inquirição das testemunhas arroladas pela defesa. Já em seu § 1º, define o procedimento quando houver denunciante. Em tal caso, o primeiro a ser ouvido será este, ocorrendo, na sequência, o interrogatório do acusado e, após a ouvida do mesmo, inquirir-se-ão as testemunhas, primeiramente as arroladas pela comissão e, ao depois, as que o forem pela defesa.
Parece-me, contudo, que tais procedimentos definidos por mencionada Lei Complementar ferem frontalmente os constitucionalmente garantidos direitos ao contraditório e à ampla defesa, expressos no inc. LV, do art. 5º, da Lei Maior.
Não há dúvida de que o interrogatório é uma importante arma defensiva, pois nele o acusado poderá expor a sua versão e rebater eventuais versões apresentadas por outros.
Ao não se propiciar ao acusado seja o último a manifestar-se, resta evidente que se está tolhendo a oportunidade de exercer o seu mais amplo direito à defesa, pois não poderá contraditar aquilo que contra si foi lançado no decorrer do processo.
Já decidiu o Supremo Tribunal Federal que, no âmbito do Processo Penal, aplica-se o disposto no art. 400 da Lei Adjetiva Penal, o qual determina que o interrogatório seja o último ato da instrução processual, mesmo que leis especiais disponham de forma contrária.
De fato, da ementa dos autos do HABEAS CORPUS nº 127.900 /AM, extrai-se:
[…]
a norma inscrita no art. 400 do Código de Processo Penal comum aplica-se, a partir da publicação da ata do presente julgamento, aos processos penais militares, aos processos penais eleitorais e a todos os procedimentos penais regidos por legislação especial incidindo somente naquelas ações penais cuja instrução não se tenha encerrado .Do voto vencedor, importante transcrever-se a seguinte passagem:
A meu ver, a não observância do CPP na hipótese acarreta prejuízo evidente à defesa dos pacientes, em face dos princípios constitucionais em jogo, pois a não realização de novo interrogatório ao final da instrução subtraiu-lhes a possibilidade de se manifestarem, pessoalmente, sobre a prova acusatória coligida em seu desfavor (contraditório) e de, no exercício do direito de audiência (ampla defesa), influir na formação do convencimento do julgador (GRINOVER, Ada Pellegrini; GOMES FILHO, Antônio Magalhães; SCARANCE FERNANDES, Antônio. As nulidades do processo penal. 12. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p. 75).
Os Tribunais pátrios, bem como a doutrina, são uniformes no entendimento de que há similitude entre o Direito Administrativo Sancionador e o Direito Penal, razão pela qual leis mais benéficas também devem ser aplicadas em Processos Administrativos Disciplinares, a teor do disposto no art. 5º, XL, da Constituição Federal.
Por tal razão, plenamente aplicável aos Processos Administrativos Disciplinares o decidido pelo Supremo Tribunal Federal, nos autos anteriormente referidos.
As disposições contidas na Lei Complementar nº 491/2010, do Estado de Santa Catarina, que determinam não ser o interrogatório do servidor ou do empregado público o último ato da instrução processual, em Processos Administrativos Disciplinares, são claramente inconstitucionais, por colidirem frontalmente com os princípios do contraditório e da ampla defesa.
Assim, para que não se afigurem nulidades em tais Processos Administrativos, deverá a comissão processante, independentemente de requerimento efetuado pelo acusado, determinar que o interrogatório venha a ser o último ato da instrução processual.
Justiniano Pedroso, especializado em Direito Eleitoral, é advogado do Escritório Baratieri Advogados Associados. Ex-Secretário de Estado da Casa Civil/SC. Ex-Presidente do BADESC/SC.