Ministério Público não quer privilégios e nem está acima da lei, mas não pode ser “amordaçado”, afirma PGJ
18 de outubro de 2021
ARTIGO
Imagine políticos ou pessoas poderosas com influência política praticando um crime ou um ato ilegal contra o consumidor, contra a saúde pública ou até mesmo violência doméstica. Agora imagine se, além de praticar esses crimes, esses poderosos pudessem interferir na investigação contra eles ou, até mesmo, anulá-la. O que você acha que aconteceria?
A resposta a essa pergunta pode deixar de ser um exercício de imaginação e se tornar concreta com a aprovação da PEC 005/2021, que a Câmara dos Deputados deve colocar em votação amanhã, terça-feira. Essa proposta de emenda à Constituição vem sendo chamada de “PEC da Vingança”, um apelido que traduz o objetivo dessa proposta que fere de morte a independência funcional dos que atuam na linha de frente no combate à corrupção, à criminalidade e em áreas como saúde, consumidor, segurança pública e violência doméstica.
A PEC 005/2021 altera a composição do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), órgão de controle e de fiscalização do MP brasileiro. O CNMP ficará nas mãos do Congresso Nacional, especialmente o Corregedor Nacional, responsável pela condução de processos disciplinares, envolvendo a atuação de Promotores de Justiça e Procuradores de Justiça e da República no exercício da função.
Por que razão idêntica mudança não está sendo proposta em relação ao Conselho Nacional de Justiça?
O Ministério Público não quer privilégios e nem está acima da lei. Como é da essência do regime democrático, as instituições e poderes de Estado já são fiscalizados entre si e pela própria sociedade. Ocorre que, submetido ao controle político, o Congresso poderá amordaçar o Ministério Público por meio do CNMP.
Se a “PEC da Vingança” for aprovada, veremos no País o mesmo que aconteceu na Itália após a “Operação Mãos Limpas”, onde, com o fim da força-tarefa que investigou e condenou políticos e empresários, os parlamentares aprovaram leis de autoproteção.
Não é restringindo a atuação do Ministério Público que a Câmara dos Deputados vai aperfeiçoar as Instituições. A independência funcional protege o Ministério Público da ingerência política e das ordens dos poderosos de plantão. E é justamente isso que vai deixar de existir com a aprovação da PEC 005/2021.
Infelizmente uma parcela do Congresso quer impedir a investigação dos crimes de colarinho branco; quer a volta do tempo em que só ladrões de galinha eram processados e condenados. Não podemos nos calar. Esse é o momento de lutar pela democracia, para que o Ministério Público continue sendo o defensor da sociedade.
Fernando da Silva Comin é Procurador-Geral de Justiça do Ministério Público de Santa Catarina